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domingo, 1 de abril de 2012

Focalizando o Trabalhador Espírita (135) João Xavier de Almeida

João Xavier de Almeida

Jxalmeida26@gmail.com


Esta entrevista para o Focalizando o Trabalhador Espírita

foi realizada pelo português Nuno Emanuel, ora residindo

no Brasil. A ele o nosso profundo reconhecimento. Nela

iremos conhecer um pouco da vida e da obra do angolano

João Xavier de Almeida que, naquela então colônia portu-

guesa, travou seus primeiros contatos com o Espiritismo

nas reuniões que se realizavam na clandestinidade para

fugir das perseguições da ditadura que só foi derrubada

aos 25 de abril de 1974. A partir do ano de 1976 em Portu-

gal, João Xavier passou a integrar o movimento espirita

que ainda vivia sob os efeitos da ditadura salazarista,

acompanhando sua trajetória de expansão com ajuda de

brasileiros como Divaldo Pereira Franco e Chico Xavier. A

entrevista resgata lances históricos como o do esbulho dos

bens da Federação Espírita Portuguesa pela ditadura -ainda

objeto de disputa judicial - e excelentes respostas de conteú-

do doutrinário à luz do Espiritismo codificado por Kardec.


Pode-nos falar um pouco de si?

Muito obrigado eu, pela deferência de me ouvirem.

Nasci em Angola, em 1932. O meu pai, angolano, filho de uma angolana e de um indiano, de Goa, era perito contábil, formado em Portugal; minha mãe, de S. João da Pesqueira, Portugal, doméstica, era profundamente católica. Finda a instrução primária, frequentei por seis anos o seminário diocesano de Luanda, concluindo o primeiro ano de filosofia. No início dos anos 60, já na vida profissional (Serviços de Fazenda Pública de Angola) fiz os exames do antigo sétimo ano do ensino secundário oficial (curso complementar dos liceus); em 1976 frequentei com aproveitamento um semestre do primeiro ano de ciências jurídico-administrativas da Universidade de Luanda, mas logo a seguir abandonei Angola.

Após desistir do seminário, em 1949, continuara católico praticante e militante; sentia no entanto muitas dúvidas e resposta insuficiente a certas questões doutrinais, desde a mais tenra idade. Em 1959 essa inquietação atingiu foros de quase paroxismo e, muito confuso, rompi com a religião da infância.

Como foi seu primeiro contacto com o Espiritismo? E quando se tornou Espírita?

O meu encontro consciente, não ainda com o Espiritismo mas com fenómenos mediúnicos, ocorreu em 1960, junto de uma médium afastada do Racionalismo Cristão. Sem noção alguma sobre mediunidade, pude observar com os próprios olhos coisas que nunca vira, e da referida médium ouvi algumas elucidações. No mesmo ano, a amizade de um colega profissional ensejou-me a leitura de um livro de seu pai: “Racionalismo Cristão”, por Luís José de Matos; e tive ocasião de frequentar reuniões clandestinas de um grupo racionalista cristão (em Angola, então colónia da ditadura portuguesa só derrubada em 1974, no tocante a religião vigiava-se implacavelmente tudo que não fosse católico romano). Era muito difícil o acesso a leituras que o obscurantismo da omnipresente polícia política rotulasse de subversivas (até obras de psicologia e de yoga eram apreendidas nas estações de correios, nas livrarias, em residências particulares). Mas leitura furtiva não deixava de se conseguir e pude aprofundar um pouco o conhecimento espiritual, sem ainda distinguir entre Espiritismo e Racionalismo Cristão. Durante uma estadia de dez meses em Portugal, em 1964-65, o providencial contacto com Eduardo Fernandes de Matos e a sua “Fraternidade” (mais tarde Associação de Beneficência Fraternidade) vinculou-me de vez ao Espiritismo; em 1971, esse vínculo foi reforçado solidamente pela primeira e marcante visita de Divaldo Franco a Angola, a qual ajudei a organizar.

Qual foi a sua trajetória no movimento espírita português?

Deixando Angola em fins de Outubro de 1976, fixei-me em Portugal, acolhido por familiares. O movimento espírita lusitano emergia com dificuldade da era “das catacumbas” e do desmantelamento infligido pela ditadura, a cujo derrube (25 de Abril de 1974) sobreviveram bolsas de surda e sinistra influência. Ainda hoje, após quase quatro décadas, e empreendidas tantas diligências de foro administrativo e judicial, a Federação Espírita Portuguesa, FEP, não logrou reaver os bens imóveis e outros, de que nos anos 60 fora indignamente espoliada pelo despotismo fascista. Já em 1998 (em plena democracia!!) esse esbulho vergonhoso teve um “coroamento” adequado: uma escritura sorrateira forjada em cartório notarial dos arredores de Lisboa (nula em direito, mas parece que aceite por uma Conservatória de Registo Predial lisboeta!) passava, do nome da FEP para o de um terceiro, a posse de valiosa propriedade imóvel onde, em área nobre da Capital, funcionara a sede da mesma FEP!… Esta, ainda em 1998, casualmente teve conhecimento do sucedido e procedeu judicialmente contra a má fé da bizarra escritura e dos seus outorgantes; no mandato seguinte, por estratégia jurídica, a diretoria da FEP desistiu do processo e introduziu-o em novos termos, perdendo a causa; recorreu para 2ª instância, e, no momento em que respondo à entrevista, aguarda a sentença.

Quando cheguei a Lisboa, em 1976, o movimento espírita fazia por se reestruturar e reorganizar. Recebeu grande impulso de Divaldo Franco e dos irmãos Gasparetto, cautelosamente iniciado nos últimos anos da ditadura salazarista: o estudo e prática do Espiritismo foram por eles muito estimulados e em 1976 já se iam formando grupos em vários pontos do País; na região do Porto, o Núcleo Espírita Cristão tornou-se autêntico foco gerador de novos agrupamentos e um deles foi o embrião do que se tornou a Comunhão Espírita Cristã, em Rio Tinto.

Inexperientes no conhecimento espírita, amadurecíamos com o apoio inestimável do Brasil, já mencionado; e em 1980-81, Joaquim Alves (Jô), espírita de ouro, modesto e discreto mas operosíssimo, demorou-se largos meses em Portugal e aqui desenvolveu uma atividade muito valiosa em formação doutrinária, colhendo muitas amizades e respeito pelo aprumo irrepreensível do seu convívio.

Que cargos e que encargos teve e tem neste momento?

A partir de 1977, frequentei como colaborador espírita (melhor dizendo: “aprendiz”) o grupo de Rio Tinto que se tornou em 1980 a Comunhão Espírita Cristã. Em 1982 mudei-me para Lisboa, onde obtivera um emprego; lá aderi a um grupo de estudos, dominical, do Centro Espírita Perdão e Caridade, até ser convidado por D. Maria Raquel Duarte Santos, em 1984, para integrar uma lista por ela encabeçada, candidata aos corpos sociais da FEP, a qual venceu essas eleições.

Participei desde então na diretoria da FEP em mandatos sucessivos, como tesoureiro; em 1991-92, como vice-presidente; e de 1993 a 1998 como presidente. Ao mesmo tempo, frequentava um grupo em Linda-a-Velha, arredores de Lisboa: o Grupo Espírita Estrela do Mar, que continua a funcionar no mesmo local, recebendo e espalhando bênçãos. Nele fiz parte, em 1997, do núcleo de fundadores do Grupo Espírita Batuíra, com sede em Algés; fui igualmente cofundador do Cenáculo Espírita Isabel de Aragão, em Queluz, localidade também situada na área suburbana de Lisboa.

Regressado à região do grande Porto em 2002, servi até 2009 em várias agremiações espíritas da zona (Centro Espírita Caminheiros da Luz, Porto; Comunhão Espírita Cristã e Associação Cultural Espírita Fernando de Lacerda, Rio Tinto). Atualmente colaboro na ADEP e seu jornal bimestral. Desloco-me a instituições espíritas do País, quando convidado para proferir palestras.

Do tríplice aspeto da doutrina há algum que o sensibilize mais?

Talvez o religioso, pela sua natureza intrínseca enaltecida por Emmanuel e Bezerra, sem o mínimo desdouro pelo científico e o filosófico: os três mutuamente se robustecem e se disciplinam. Mas cuidado: Deus nos livre de fazermos do Espiritismo uma religião de certezas instituídas, sem análise, desenvolvimento, aprofundamento; uma confraria de “verdades” intocáveis, hostil a diferenças de perspectiva; fundamentalista, rígida - enfim, com os tiques criticados noutras correntes espiritualistas, mas que por vezes tendemos a acolher na nossa.

O Codificador frisou que não deixava dita a última palavra sobre Espiritismo; e que, se a ciência provasse a falsidade dum ponto da doutrina, deveríamos ir com a ciência e deixar esse ponto (a doutrina espírita foi, ela mesma, compilada com metodologia científica: é uma ciência, não reconhecida formalmente pelo preconceito acadêmico).

Kardec esclareceu em que sentido entendia o Espiritismo como religião: no sentido estritamente filológico e filosófico do termo, e jamais conotado a mitologias, folclore, opulência ritual de culto externo, hierarquia.

A meu ver, em nenhuma das suas três vertentes o Espiritismo se reclama proprietário da Verdade: dá-se por feliz como um roteiro para ela. Para o seguirmos em busca dela, propõe trabalho, disciplina, perseverança: ninguém a serve a ninguém ou contra ninguém, pois compete a cada um atingi-la intimamente e em paz. A infeliz expressão “verdades do Espiritismo”, ouvida por vezes, parece-me uma subconsciente e típica ancestralidade religiosa de triste memória.

Conhece(u) o movimento espírita brasileiro?Que vivências tem dessa sua experiência?

Conheço-o não muito, até pela imensidão territorial da encantadora pátria brasileira. Tenho tido contactos pontuais úteis e benéficos, dado o elevado grau de experiência e conhecimento que o pacífico gigante sul-americano, em seu conjunto, alcançou no domínio espírita; possui grande quantidade e qualidade de valores humanos individuais, do passado e do presente, em todas as áreas da atividade espírita: autores, divulgadores, investigadores, expositores, médiuns idôneos - valores de cujo mérito incontestável beneficia o Mundo inteiro.

Que outros momentos destaca no movimento espírita internacional?

O fenômeno demográfico da onipresença brasileira no Mundo, levando a toda a parte uma cultura bem humorada e muito criativa, comunicativa, com múltiplas áreas de atividade, transportando o filão de uma entranhada espiritualidade - incluindo a bem específica do Espiritismo, do qual o Brasil se tornou naturalmente pátria ubérrima e possante locomotiva mundial.

Quais os eventos (congressos, seminários) em que participou que mais e melhor recorda?

Os oito congressos espíritas mundiais, trienais, com exceção do 3º e do 7º, de que não pude participar. Entre eles, destaco dois por razões diferentes: o 2º (1998, realizado em Lisboa pela FEP e promovido como todos pelo CEI, Conselho Espírita Internacional), de alta qualidade e produtividade doutrinárias, com quase 3000 participantes, dos quais 800 brasileiros. E o 4º, em Paris, 2004, onde a imensa alegria de sempre dum encontro mundial de espíritas, foi toldada pela indiferença da comunicação social da Cidade Luz, ante tão significativo evento e a efeméride notável por ele evocada: o segundo centenário do nascimento de Allan Kardec, celebrado no País onde ele veio ao Mundo e presenteou a Humanidade com a obra grandiosa da codificação espírita.

Que recordações tem do 2º Congresso Nacional de Espiritismo em Portugal em 1994?

Gratíssimas. Foi a primeira grande e condigna afirmação pública do Espiritismo em Portugal, depois da melancólica “era das catacumbas”. Com quase 500 participantes, a novidade atraiu ao Hotel Méridien, em Lisboa, toda a comunicação social (imprensa, rádio, TV), vivamente surpreendida pelo elevado padrão cultural que testemunhou.

Sentiu a perseguição aos espíritas durante o regime ditatorial?

Perseguição explícita, quase não. Mas muito, o peso opressivo do preconceito social e religioso, além do político, bem assim a amarga sensação de impotência para expor dignamente as nobres propostas e pontos de vista do Espiritismo.

Ainda sente alguma descriminação em relação aos espíritas na sociedade portuguesa atual? E desinformação?

Ambas, em grau ocasionalmente ainda elevado, mas com tendência muito acentuada para decrescer, graças à influência de diversos fatores: um, a gradual disseminação da informação correta nos meios sociais; outro, o incremento das tecnologias de comunicação, cada vez mais utilizadas no movimento espírita (pela FEP e algumas instituições federadas). Na área das tecnologias de comunicação, destaca-se a excelente e multímoda produtividade da ADEP: ministra há anos cursos on line de doutrina espírita a mais de dois mil aderentes de Portugal e do exterior (África, Europa, Austrália, Japão…). É interessante registrar, nesses cursos, algumas inscrições semi-anônimas que, perante o valor e seriedade intelectual das sucessivas lições, acabam por revelar, satisfeitos, a identidade até aí semi-oculta. Entre os alunos on line, figuram todos os graus de formação escolar, incluindo o superior. De notar ainda, na atividade da ADEP, as suas intervenções públicas na comunicação social: pertinentes, oportunas, formativas e informativas.

Quais as personalidades (inter)nacionais mais marcantes no início da divulgação da doutrina espírita em Portugal?

Sem dúvida, destaca-se incomparavelmente a de Chico Xavier pela altíssima qualidade didática e literária da sua grandiosa obra mediúnica, aliada a um perfil cristão modelar; assim como numerosas outras figuras exemplares do movimento espírita brasileiro, do presente e do passado. Em Portugal, granjearam grande respeito e gratidão dos seus concidadãos, os “consagrados” do pós 25 de Abril: Isidoro Duarte Santos, Casimiro Duarte, Jorge Raimundo, Eduardo Fernandes de Matos, José Cabrita, Ivone Sousa, Ferdinando Pestana Marques. E as grandes figuras da primeira metade do século XX, sobressaindo entre elas Fernando de Lacerda e Fernando Couto; posteriormente, as de Joaquim António Freire, António Lobo Vilela, Acácio Velho, Maria O’Neil, Maria Veleda, Firmino Teixeira, coronel Faure da Rosa - e peço vênia por nomes respeitáveis que involuntariamente esteja a omitir no momento.

Como acha que está o movimento espírita em Portugal?

Vem crescendo numericamente em adeptos e agrupamentos, por todo o território. Sem menosprezo pelo trabalho das instituições e abnegação de muitos companheiros nossos, precisamos de definir estratégias de mais união, coordenação, senso de unificação e integração. Tais fatores, ainda pouco implantados mas com tendência manifesta para crescer, por certo incrementarão os padrões qualitativo e quantitativo do movimento, e com isso o influxo benfazejo da mensagem espírita na nossa sociedade.


João Xavier, de terno marrom, cumprimentando Nilson e Divaldo, com Isaías Sousa, Pereira Luz e outros dirigentes.

João Xavier de Almeida (E)com o dirigente espírita José Galvão, obtendo um autógrafo

de Divaldo Franco, em 2009, na Escola de Beneficência Caridade Espírita, em

São João-de-Ver, Portugal

João Xavier

João Xavier em 1997

João Xavier quando presidente da FEP em 1998

João Xavier na CEC de Lisboa aos 19-7-2011

João Xavier na Comunhão Espírita Cristã, em Lisboa, Portugal

Comunhão Espírita Crista de Rio Tinto.

OBS: AS FOTOS DESTA ENTREVISTA SÓ PODERÃO SER UTILIZADAS EM OUTRAS PUBLICAÇÕES MEDIANTE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO ENTREVISTADO.

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