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domingo, 12 de junho de 2011

Focalizando o Trabalhador Espírita (No. 92) Manuela Vasconcelos

Manuela Vasconcelos

Entrevista para Ismael Gobbo ao Notícias do Movimento Espírita

Realizada via email.

Mantida a grafia corrente em Portugal.

Nosso companheiro de ideal espírita Nuno Emanuel, de Lisboa, Portugal, ouviu nossa confreira da capital portuguesa Manuela Vasconcelos, presidente da Comunhão Espírita Cristã- CECL, buscando conhecer um pouco de sua vida e de sua obra. Autora de várias obras acerca do Movimento Espírita em Portugal, d. Manuela com méritos já passou a figurar de sua história.


D. Manuela, muito obrigado pela sua disponibilidade. Pode-nos falar um pouco de si?

Onde nasceu, constituição da sua família, sua profissão, factos da sua vida que queira relatar.

Nasci em Lisboa, embora tenha ido com 6 anos primeiro para Angola, onde vivi até aos 22 e, depois, para Moçambique, de onde regressei com 45. Fui a filha mais velha da união de meus pais, sou funcionária pública aposentada.

Aos 12 anos houve um facto que me marcou, embora só muito mais tarde viesse a percebe-lo: estava com meu irmão, mais novo 2 anos, numa matinée cinematográfica e, a meio da sessão, senti-me incomodada, com a insistência de uma ‘voz’ que me dizia que fosse já para casa, que havia necessidade... que era urgente! Ao fim de mais umas tantas cenas, que passavam no écran, chamei o meu irmão, que protestou, claro!,( o filme era de aventuras, tão do gosto dos jovens da nossa idade) e saímos; pelo caminho, eu comecei a correr e corria sempre mais. Quando chegámos a casa, a porta da rua estava fechada e não no trinco, como era hábito naquela época em Moçâmedes. Forçámo-la – aí o meu irmão já me ajudava achando que qualquer coisa não estava bem – e quando entramos verificamos a tentativa de suicídio de um familiar. As janelas tinham sido todas calafetadas e se não tivéssemos deixado o cinema, quando chegássemos a casa teriam sido postos perante uma situação irreversível... Penso, numa retrospectiva de diversos factos acontecidos, que este foi o que mais me marcou.

Mais tarde, já mais velhinha, tanto em Luanda como em Lourenço Marques, conversava muito com meu pai sobre a vida, o porquê das coisas acontecerem como aconteciam e pensava, então, que as pessoas não podiam nascer e ‘morrer’ ao calha, quer dizer por acaso... Tinha de haver uma razão plausível para tudo!

E quando ‘descobri’ a Doutrina Espírita’, descobri igualmente que, afinal, o meu pai, que não estava mais entre nós, tinha sido médium... e muitas das conversas que tivéramos deveriam estar relacionadas, ainda uma vez, não com o acaso mas com conceitos que ele me quereria transmitir mas de que entendeu oportuno não falar abertamente. Na continuidade dessas conversas e porque a religião onde estava inserida desde criança não me realizava, procurava ler outras coisas – até mesmo numa altura em que em Portugal tudo era proibido... mas havia sempre uma pessoa amiga que, sub-repticiamente, me emprestava uns livros: o primeiro que li, nestas condições, foi o ‘Perdoo-te’, da Amália R. Soller, que muito me incentivou a procurar ser sempre melhor. Se o consegui ou não só Deus o sabe!

Como foi seu primeiro contacto com o Espiritismo? E quando se tornou Espírita?

Na doença terminal de meu pai, em Luanda, que eu acompanhei no último mês e meio, porque eu vivia em Lourenço Marques e tinha-me deslocado a Angola precisamente para acompanhar os meus familiares naquele transe, encontrei, vivendo em casa de meus pais, um primo consanguíneo, que meus pais protegiam, e que à noite, na vigília que faziamos os dois ao querido doentinho, me começou a falar de Kardec. Eu ‘bebia’ as primeiras referências que ele me transmitiu... e porque tinha ‘muita sede’, pedia sempre mais... e naquele mês e meio, ele acabou por me transmitir toda a teoria Kardecista. Regressei a Lourenço Marques ‘carregada’ de livros espíritas, que ali tinham venda livre mas em Portugal continental eram proibidos!, e com um endereço que procurei logo no dia imediato ao meu regresso...Mas eu tinha de ‘provar’ que era aquilo mesmo que eu queria, e só à terceira tentativa, e por intermédio de outra pessoa, cheguei ao grupo com o qual comunicava há já algumas semanas. Note, que esta outra pessoa não sabia das minhas tentativas anteriores, embora frequentasse o mesmo grupo.

A partir daí, não parei mais: lembro-me que os dirigentes do grupo contactaram pessoas amigas de S. Paulo, pedindo que fosse a Lourenço Marques alguém, com as despesas pagas, claro!, para nos orientar, porque queriamos abrir um Centro. E esta atitude tinha sido incentivada pela Espirito do Dr. Bezerra de Menezes, através de Divaldo Pereira Franco, quando visitara Lourenço Marques em 1972. Bezerra incentivou o grupo e ofereceu-se para ser o Mentor Espiritual... Então, pensando seriamente no assunto, os irmãos que compunham o nosso grupo tomaram a atitude de procurarem alguém que nos orientasse num assunto que ignoravamos...Apareceu-nos o Irmão Jô – Joaquim Alves: ia por um mês, esteve 8, porque criou-se uma empatia tão grande entre todos que não o queriamos deixar regressar... mas teve que ser!

Qual foi a sua trajectória no movimento espírita português? Que cargos e que encargos teve e tem neste momento?

Comecei, portanto, na COMUNHÃO ESPÍRITA CRISTÃ, de Lourenço Marques... Estudavamos todos; nas reuniões mediúnicas comecei como esclarecedora (doutrinadora); na sala de passes, distribuía a água até que sensibilidade despertou de tal maneira que comecei a trabalhar como médium de incorporação, psicografia e passista... O Irmão Jô ‘lançou-me’, ainda, como palestrante (na altura, aprendiza, acho eu)... e nunca mais parei. Quando regressei a Portugal, depois da independência de Moçambique, procurei um Centro, que freqüentei durante ano e meio... Entretanto, as pessoas que faziam parte do de Lourenço Marques, conforme chegavam a Lisboa, procuravam-me...iam para o mesmo Centro onde eu estava, enquanto, paralelamente, começamos a estudar na minha casa, a fazer o evangelho... deixei o outro Centro e passamos a dar assistência às pessoas que nos procuravam; os casos de obsessão que iam surgindo, íamos tratá-los à casa dos obsediados,uma vez por semana, e com as deslocações pagas por nós. Tomamos esta decisão, para o auxílio aos obsediados, porque a nossa casa não era Centro e não queríamos prejudicar os familiares que viviam connosco, dado que o ambiente não estava preparado para um trabalho de tanta responsabilidade. Ao fim de dois, três anos nestas condições, começamos a pensar em abrir um Centro: dedicamo-nos, todos, mais afincadamente ao estudo, e dois anos mais tarde, terminado o estudo sobre a mediunidade, começamos a procurar as instalações... A maioria de nós, já naquela altura era reformada de maneira que as despesas foram partilhadas por todos, o que ainda hoje acontece em relação à renda que pagamos: cada trabalhador tem uma quota especial, cujo pagamento não pode deixar atrasar, e é assim que temos sempre garantido o pagamento da renda das instalações onde estamos.

Quando abrimos o Centro, em 17 de Junho de 1984, o nosso Presidente foi o João Correia de Sousa Magalhães, que desencarnou dois anos mais tarde. Foi ele o autor de todos os nossos Regulamentos internos; os Estatutos foram feitos por um advogado que, na época, freqüentava a nossa Casa... Quando sentiu que o desencarne se aproximava teve uma longa conversa comigo, levando-me a aceitar o cargo de Presidente, que tenho até hoje – não porque não o queira passar a outros, mas porque ninguém o quer assumir. Dizem que está bem assim... Mas só me sinto ‘presidente’ quando é necessário tomar uma decisão mais importante, e resolver qualquer assunto que esteja, também, envolvido com a Doutrina; em todos os outros momentos, sou apenas a Manuela – uma pessoa como qualquer outra.

Temos tido a preocupação de colaborar sempre com a Federação Espirita Portuguesa, e de uma das vezes que fizemos parte dos seus Corpos Sociais, fomos a responsável pela reedição da Revista de Espiritismo, da F.E.P., suspensa desde 1953...

Actualmente, continuo a ser Presidente, na COMUNHÃO que, quando abriu teve, tal como acontecera em Lourenço Marques, a oferta do Espirito Bezerra de Menezes para ser o Mentor. Claro que com uma oferta destas, não pensamos noutro!... Sou a dirigente de todos os trabalhos que ali se realizam mas, de há uns anos a esta parte, tenho-me colocado numa posição de ‘reserva’ – o que foi uma maneira de os nossos outros colaboradores se assumirem e realizarem a sua quota-parte de trabalhos, desde as palestras, ao passe, à mediunidade... inclusive, capacitados para me substituírem no estudo que continuamos permanentemente a fazer, se eu tiver que me ausentar.

Na Federação, colaboro nos Corpos Sociais, fazendo parte da Assembleia Geral.

Que obras publicou? Onde e quando decorreu o seu trabalho de pesquisa?

Comecei por criar, em Julho de 1981, a nossa revista em Xerox ‘Comunhão’, bimestral, e que existe até hoje. Pensamos que, na sua simplicidade, é uma maneira de darmos um bocadinho mais de esclarecimento às pessoas que frequentam as nossas reuniões públicas mas não comparecem ao estudo... Ainda em Lourenço Marques, tinha ouvido falar do homem-macaco, mas de uma maneira tal que não consegui perceber se este era o Fernando de Lacerda, ou se o Fernando o tinha ajudado! Então, um dia, e depois de ter lido um opúsculo, da autoria do escritor espírita Hermínio de Miranda, e publicado pelo Centro ‘Luz no Caminho’, de Braga, concluí que era muito pouco o que tinha ficado a saber sobre o médium português, percursor do Chico, do Divaldo, e com certeza de vários outros: tinha de saber mais sobre ele! Como, naquela época, tinha muito mais tempo livre que actualmente, comecei a deslocar-me, quase que diariamente, até à Biblioteca Nacional, depois de ter estado, também, na Torre do Tombo onde, na data, qualquer um podia ali fazer pesquisa. Hoje, só os historiadores... Cada coisa que descobria, entusiasmava-me de tal maneira que queria sempre saber mais... A Federação possuía, também, em micro-filmes, diversas revistas da sua congênere brasileira, da época do Lacerda; pedi autorização e levei-as comigo, para as passar e analisar na Biblioteca, já que a F.E.P. não tinha a máquina necessária para ali as poder ver...

Quando cheguei ao fim da pesquisa, ao fim de um ano a caminhar quase que diariamente para a Biblioteca Nacional, descobri que tinha elementos para um livro: faltavam-me, apenas, referências familiares. De pergunta em pergunta, descobri uma sobrinha-neta do Fernando, na Câmara Municipal de Loures, onde ele nascera, e através de sua mãe, fui posta em contacto com a Laura, a sobrinha-afilhada que o Fernando refere no primeiro livro da obra ‘Do Pais da Luz’... Uma ‘velhinha’ tão ou mais jovem do que eu era na altura... Ainda lhe consegui levar um exemplar do livro, depois de publicado, mas ela desencarnou poucos meses depois, com a bonita idade de 92 anos!

Pensa publicar mais obras?

A pesquisa sobre o Fernando, acho que deixou em mim ‘o micróbio’ da curiosidade... Por outro lado, pouco se sabia dos nossos percusores, no Movimento Espirita Português, e eu pensava que eles mereciam ser conhecidos. Era importante que, Amanhã – um amanhã sem data fixa – aqueles que nos continuem passam saber como tudo começou, em Portugal... e procurei, então, mais na nossa Federação que em qualquer outro local, e ‘folheando’, também,as memórias de Maria Raquel Duarte Santos, ainda encarnada, que fora um dos Presidentes da F.E.P. , viúva de Izidoro Duarte Santos, também muito importante no nosso Movimento, e enteada do General Passaláqua, folheando as suas memórias, consegui compilar a História do Movimento Espírita Português, de 1900 a 2004. Não quer dizer que essa história esteja completa, mas foi o que consegui! Talvez, se tivesse tido possibilidades de me deslocar até ao Algarve, se tivesse ido até Braga (e aqui o Irmão Castro Lôpo, Presidente, à época, da Associação Luz no Caminho esteve sempre ao meu dispor, procurando para mim aquilo que lhe parecia viável), se tivesse podido, durante algumas semanas, parar em Leiria, talvez tivesse descoberto ainda mais coisas importantes!O que escrevi foi o que consegui, dentro das possibilidades que tive na época...

Depois, pensei que, já que escrevera sobre o Movimento, seria importante dar a conhecer os nomes de, pelo menos, alguns daqueles que se assumiram sempre como espíritas, sem pensarem nunca que ao fazerem-no estavam a prejudicar a sua carreira civil e o seu nome na Sociedade da época... e surgiu o ‘Alguns Vultos do Movimento Espírita Português’.

Escrever mais? Mas eu nunca parei de escrever! Há diversos opúsculos que, ao longo dos anos, tenho escrito para elucidação, principalmente, dos frequentadores da nossa Casa: quando o faço, por norma, junto sempre um exemplar a acompanhar a nossa Revista, quando ela é distribuída... agora, outro livro? Não sei! Só Deus e o Tempo o sabem!

Que espíritas portugueses destaca na história do movimento espírita nacional?

Como deve calcular, ao descobrirmos a maneira de ser das pessoas, escrever sobre elas deixa-nos um carinho muito grande: é como se tivessem passado a ser nossas familiares mais próximas... Mas, sem desprimor para todos os outros, e por aquilo que representaram na Sociedade, também, primeiro, talvez Maria Veleda e Afonso Acácio Martins Velho. Talvez, um dia, os homens reconheçam o valor que Maria Veleda teve, inclusive no Movimento Histórico Português, antes de se assumir como espírita!

Martins Velho, advogado, escritor, deslocando-se a Paris para ali poder assistir a reuniões espíritas e mediúnicas, quando o espiritismo ainda não estava implantado em Portugal, atraiu-me sobremaneira... Mas eu já o ‘conhecia desde o tempo do Fernando de Lacerda’, pois ele deslocava-se a casa do Fernando para dar aulas aos seus dois afilhados, a Laura e o Fernando, conforme me foi declarado pela Laura em 1991. Depois, já doente e sofrido, quando da criação da Federação Espírita Portuguesa, porque o Dr. António Joaquim Freire lho pediu, assumiu o cargo de Presidente...O próprio Joaquim Freire, que desde a criação da Federação nunca mais parou, levando sempre mais longe a semente da nossa Doutrina... O Dr. António Lobo Vilela, inteligentíssimo, perseguido pela Pide, renunciando, em 1953, ao cargo de Presidente, que ocupava na altura, para que o seu nome não prejudicasse a Federação e o Movimento! O General Passaláqua, uma figura imponente em atitudes e lições de humildade, falando de espiritismo até nos bancos do jardim, quando encontrava alguém disposto a ouvi-lo, ou que ele sentisse necessitado de conforto...O António Castanheira, o último Presidente daquela época, assumindo toda a responsabilidade de ser espírita, quando a perseguição se fez mais intensa, e enfrentando todos os problemas daí decorrentes... Maria O’Neill, também da mesma altura, deslocando-se com Joaquim Freire por todo o Portugal a falar de Espiritismo... Anteriormente, fora uma das fundadoras do Centro Espirita Perdão e Caridade... e quando a 1ª Grande Guerra rebentou, no desejo de ir apoiar a tropa portuguesa, na Flandres, tirou o curso de enfermeira... sendo depois colocada num Hospital de Trás-os-Montes, onde havia falta de pessoal de enfermagem. Não chegou a ir amparar os nossos soldados, na França, mas socorreu outros doentes. Quando da abertura da F.E.P., deslocou-se ao Brasil com o Dr. Joaquim Freire, a dar notícias do que os espiritas estavam a fazer em Portugal. Em 1932 volta ao Brasil, desta vez sozinha e doente, tão doente que desembarca na Bahía e dois dias depois, retoma o barco, em viagem de regresso que o organismo, enfraquecido, não agüentou; desencarna a bordo e o seu corpo é lançado ao mar. Estava-se em Março de 1932.

Refiro estes, talvez porque me tenham ‘tocado’ mais na sua conduta, mas todos eles merecem o meu carinho e o carinho de todos os portugueses.

Que facto(s) emocionante(s) a sensibilizaram durante a escrita da biografia de Fernando de Lacerda?

Primeiro, foi a conduta do Fernando: a maneira como ele se mostrou sempre simples e digno, porque tinha que o ser para merecer a companhia e amizade dos espíritos que o acompanharam, fossem o Camilo ou o Eça, o Sousa Pinto ou o Alexandre Herculano, ou qualquer outro, como o João de Deus e o Júlio Diniz, que assiduamente se manifestavam também em palavras onde sempre encontramos a amizade e entre-ajuda, mais do que o desejo de apenas escreverem!

Mas o mais emocionante de todos, foi com certeza a reparação que Botto Machado quis fazer, declarando que a perseguição que lhe movera fora injusta: a maneira como este advogado se retrata, acho que comove qualquer um!

Sente o amparo espiritual de Fernando de Lacerda? De que forma?

Fernando tornou-se um Amigo, presente muitas vezes nos nossos trabalhos, dando-nos as suas mensagens e, ainda, falando para os Espiritos suicidas que traz até nós, para serem socorridos.

O que achou do Seminário sobre o médium português Fernando de Lacerda, promovido em Março deste ano pela UERL?

Mediante os elementos que tínhamos, pensamos que foi muito rico na transmissão do que sobre ele tínhamos. Mas, ficou-nos uma certa tristeza: a de que os portugueses, espíritas ou curiosos, que sempre enchem as salas quando surge alguém de fora do nosso País, não se tivessem sentido motivados para conhecerem o médium português, infelizmente ignorado pela maioria dos espíritas.

Que dificuldades enfrentou para fundar o centro espírita que preside?

O entusiasmo de todos os participantes foi sempre tão grande que não sentimos qualquer dificuldade – a não ser as materiais, pois os espíritas não são mecenas nem têm mecenas nos seus quadros!

Quais os principais objectivos da CECL?

‘Sem caridade não há salvação’ – e procuramos fazer a caridade de todas as maneiras. Por outro lado, incentivando as pessoas a verem-se como irmãos e não como desconhecidos... Como irmãos, aprendem a amar-se, e onde há amor o ódio está sempre ausente, não é?

Quais as atividades doutrinárias que destaca?

Aquela que mais me realiza, sem qualquer espécie de dúvida, é a do esclarecimento às entidades que se manifestam nas reuniões mediúnicas: ver partir em paz alguém que chegou num quase desequilíbrio é um conforto que mais nada nos consegue dar! Por outro lado, ao fim de uns tantos meses e quando nada nos prepara para tal, atendermos uma entidade que nos diz: nós já nos conhecemos; eu já aqui estive, tu fizeste... tu disseste... Venho agradecer e dizer que vou reencarnar... Bom, há sempre uma lágrima disposta a revelar-se, não é?


Que tipo de tarefas de assistência social é que a CEC desenvolve?

Assistência aos necessitados que nos procuram, continuando ainda a faze-lo quando em tratamento; distribuição de roupa e cestos básicos...

Acha que todas as instituições espíritas deviam ter tarefas de assistência social?

Com certeza: se não puderem mais, podem menos, mas há sempre a possibilidade de um mínimo de ajuda... a menos que não nos deixem! Por exemplo, quando abrimos a nossa Casa, visitávamos um dos Hospitais Psiquiátricos de Lisboa, pois sabemos quantos doentes ali se encontram sem necessidade, pois o seu problema é unicamente mediúnico. Um dia, um dos enfermeiros descobriu que éramos espíritas: apesar da autorização que tínhamos do Director, barraram-nos o ingresso de tal modo que não conseguimos continuar a ir ali... E só falávamos com os doentes, sem referirmos a Doutrina, e levando bolachas e roupas decentes para aqueles que víamos necessitarem-nas.


Qual a sua importância?

As tarefas de assistência espiritual são sempre importantes, mediante o que podemos dar de nós, e aquilo que cada um quer receber: por vezes, temos ‘muito para dar’, mas quem recebe não procura o amor, apenas os bens materiais. Então, tudo tem de ser usado mediante as pessoas e não mediante o que podemos fazer.


A CEC tem alguma publicação regular?

Conforme dissemos atrás, a revista ‘Comunhão’, em Xerox, bimestral e que existe desde Julho de 1981.

Pode relatar-nos um caso de cura duma criança de Rio Tinto, nos anos 80?

O caso não se passou na nossa Casa, que à época ainda nem existia: quem falou no assunto foi o João Xavier de Almeida, numa reunião de trabalhadores de Centros Espiritas, que quinzenalmente a Maria Raquel Duarte Santos promoveu na F.E.P., em 1980. Já nos conhecíamos e ela fez o favor de me convidar a assistir a essas reuniões, já que eu pensava, mais tarde, vir a abrir um Centro. O João, nessa data, colaborava na ‘Comunhão Espirita Cristã’, de Rio Rinto, fundada, entre outros por um dos directores da antiga C.E.C., de Lourenço Marques; pensamos que por este motivo, Bezerra ofereceu-se, igualmente, tal como fez depois connosco, para ser o Mentor da Casa... Naquela época, entre os médiuns que colaboravam, havia uma irmã, chamada carinhosamente de Padeira, porque era essa a sua profissão e havia mais duas com o mesmo nome que ela tinha. Então, assim fazia-se a distinção. Esta irmã tinha uma filhota que estava a ser tratada, no Hospital de Santo António, do Porto, a um problema pulmonar; ela tinha um pulmão com vários ‘focos’ e a mãe tinha muito cuidado com a criança, para que a doença não se espalhasse mais e mais. Na semana anterior, ainda, ela estivera no Hospital, a ser atendida e examinada e a médica confirmara os cuidados e a doença da menina. Uma manhã, ao levantar-se, a ‘padeira’ repara que a filhinha, que já deixara também o leito, andava descalça no chão de lage, e repreendeu-a.

- Você não pode andar descalça, se não vai ficar pior! Vá já calçar os seus sapatos!

Sorridente, a criança respondeu:

- Não é preciso, mãe! Esta noite, quando Você dormia, veio o homem das barbas brancas, fez-me uma festa (carinho) e disse que me ia curar... e eu não voltei a tossir!

Depois da surpresa do que escutara, a mãe perguntou quem era o homem, como é que ele entrara:

- Não entrou mãe! Apareceu! Olha, é aquele ali, daquele retrato! (E apontou uma foto

do Dr. Bezerra, que estava em cima de um móvel).

A padeira, depois de várias perguntas mais, quis tirar-se de dúvidas. Arranjou-se, arranjou a filha e dirigiu-se ao Hospital, pedindo para falar com a médica que assistia a menina.

Admirada de as ver ali, a doutora perguntou o que se passava, se a criança tinha piorado.

- Acho que não, senhora doutora, mas não se importa de a examinar? Eu queria ter a certeza...

A atitude da mãe era tão estranha que a médica fez-lhe a vontade... auscultou a criança, mas notando algo de estranho insistiu e insistiu. Procedeu a outros exames, levou a criança ao Raio-X para concluir que a menina não tinha nada.Era como se nunca tivesse estado doente.

- O que foi que aconteceu? A menina está curada!

De certeza, senhora doutora? Não há engano?

E ante a confirmação da médica, contou-lhe então que era espírita, que trabalhava num Centro Espirita... e tudo o que a filha lhe dissera quando acordara, pela manhã.

Mais tarde, a médica leu ‘O Livro dos Espíritos’ e começou a freqüentar o Centro.

Isto foi o que o João Xavier nos contou a todos, na altura, e que recordo ainda.


Do tríplice aspecto da doutrina há algum que o sensibilize mais?

Penso que qualquer deles é importante e sensibilizar... quem é que não o fica quando se debruça sobre o Evangelho?

Conhece(u) o movimento espírita brasileiro?

Só por ler; embora me desloque ao Brasil quase todos os anos, vou para estar com a família. Como meu genro é espírita e colabora num Centro Espírita, o mais que faço é ir também eu ao Centro, uma vez por semana, quando posso, mas sempre mais preocupada em assistir a família.


Que vivências tem dessa sua experiência?

Não dá para qualquer experiência.

Que outros momentos destaca no movimento espírita internacional?

Estou a lembrar-me do CEI, do qual Portugal foi, também, um dos fundadores, no tempo da Maria Raquel Duarte Santos e Manuel dos Santos Rosa.

Quais os eventos (congressos, seminários) em que participou que mais e melhor recorda?

Entrego-me de tal maneira a tudo o que faço que recordo todos com carinho, seja pela participação como, ainda, pela convivência sempre possível, nestas alturas, com os outros espíritas presentes.

Que recordações tem do 2º Congresso Nacional de Espiritismo em Portugal em 1994?

Vejo-o como um marco da liberdade que as diversas religiões passaram a ter. Foi extraordinário!

Sentiu a perseguição aos espíritas durante o regime ditatorial?

Eu vivia em Moçambique e nunca a senti. A primeira e única vez que aconteceu foi quando encomendei para aqui uns livros doutrinários e o irmão Eduardo Matos, da revista Fraternidade, me respondeu a dizer que era proibida a exportação de livros... Que iria tentar arranjar um portador para mos enviar.


Ainda sente alguma descriminação em relação aos espíritas na sociedade portuguesa actual? E desinformação?

Desinformação, sim, mas no momento e, sempre que tal acontece, tento esclarecer e dar a verdade a quem pensa a mentira.

Quais as personalidades (inter)nacionais mais marcantes no início da divulgação da doutrina espírita em Portugal?

Das internacionais, nada sei: quanto às nacionais, todas as que refiro no meu livro!

Como acha que está o movimento espírita em Portugal?

Caminhando... Acho que se lhe está a dar uma ‘injecção de revitalidade’.

Se tivesse que actualizar o seu livro “História do Movimento Espírita Português”, que relato nos faria?

Não me parece que haja, por enquanto, algo a acrescentar.


Sente que há união entre os dirigentes e trabalhadores espíritas?

Ao longo dos tempos tenho procurado relacionar-me sempre com os espíritas portugueses. Note, a cada 10 anos do aniversário da nossa Casa, trouxemos até nós, sempre, dirigentes dos Centros portugueses, de norte a sul do país; foi assim os 10, aos, e agora que estamos a comemorar o 30º aniversário... Por outro lado, fazemos parte da ‘União dos Centros Espiritas da Região de Lisboa’: acho que isto significa qualquer coisa!

Que novos projectos têm a CECL a breve prazo?

De momento, para além da continuação da comemoração do nosso aniversário , com as palestras feitas pelos oradores das outras Casas, não nos tem ficado tempo para mais nada... À distância, a preocupação é sempre a de colaborar para que o Movimento Espirita Português se firme sempre mais.

Como perspectiva o futuro do movimento nacional e internacional? Acha que Portugal terá um papel importante na divulgação da doutrina na Europa e em África?

Espero que o Nacional cresça, espalhando-se por todo o país, mais e mais. Todos nós temos obrigação de fazer florescer a semente que os nossos percusores lançaram em Portugal... Camões, espírito, no poema ‘A Nova Sagres’ incentiva-nos a desbravarmos os ‘novos mares’ que precisam ser descobertos: então, só temos que tentar dar cumprimento a esta orientação a que aquele querido Espirito nos incentivou.


No passado 14 de maio, foi à Universidade do Porto dar uma palestra sobre “O que é o Espiritismo”. Como foi falar para uma platéia não espírita?

Foi uma experiência diferente porque eu sabia, por antecipação, que iria falar para não espiritas. A experiência começou logo por ter de preparar a palestra para não espíritas - o que foi bem mais dificil que uma outra qualquer que preparemos para espíritas, mas, tirando isso, eu ia preparada... e foi um encontro quase como outro qualquer!


Que livros espíritas está a ler?

Vários, mais como estudo que apenas para passar os olhos, e, então, tenho-me debruçado sobre a ‘Transição Planetária’, do Espirito Manoel Philomeno de Miranda/Divaldo; a Génese, de Kardec; o Grande Enigma’, de Léon Denis; mas acompanham-me sempre, de há uns meses a esta parte, o ‘Meditações Diárias’, de Emmanuel: é um livro onde encontro sempre um conselho novo, que me faz pensar melhor no meu comportamento.


Quais os palestrantes que mais a cativam?

Dos portugueses, não vou nomear nenhum porque não quero magoar ninguém, mas digo-lhe, sinceramente, que há muitos e bons oradores espíritas portugueses; dos estrangeiros, conheço, como todos, o Divaldo, o Raul Teixeira, e gosto muito do Dr, Sérgio Thiesen; sei que há pessoas que têm uma certa reserva contra ele, por ser roustainguista: honestamente, se o é, nunca por nunca, e já o conheço desde 1999, nas palestras que fez na nossa Casa, o deu a entender. Ele fala fluentemente da Doutrina, seja na parte doutrinária como na científica, e nas suas palestras qualquer um aprende sempre qualquer coisa.

As suas considerações finais e alguma mensagem que queira dirigir

Se alguma mensagem posso deixar, é num apelo: que todos os que se afirmam espíritas, o sejam as 24 horas de cada dia, pugnando pela pureza da Doutrina, sem se misturar espiritualismo com Espiritismo. Que não se procure o fenômeno pelo orgulho, pela vaidade de se ser apontado como alguém diferente, mas que se veja nele a oportunidade de se auxiliar, levando sempre mais longe o amor pelo próximo.

Não deve ser a vaidade a gerir os passos de cada um, mas a humildade, a simplicidade, o querer ser sempre melhor hoje do que se foi ontem, para se ser amanhã melhor do hoje! Penso que a prece do ‘Pobrezinho de Assis’ será sempre uma boa orientação para qualquer um de nós!

Um abraço para todos os leitores.


Manuela Vasconcelos no Encontro de encerramento das atividades das Associações 9DIJ)

em 06/2010, apresentando a pela de sua autoria “Não vou ao Centro Espírita”



Manuela Vasconcelos com o livro sobre Fernando de Lacerda, de sua autoria. Lisboa, 2011

Manuela, na extrema direita, durante Seminário Fernando de Lacerda. Lisboa, 2011. Os demais a partir da esquerda: Rui Marta (Presidente UERL), Vitor Féria (Presidente da FEP) e Elda Silva.

Biografia de Fernando de Lacerda por Elda Silva (Presidente da Assoc. de Cultura Espírita Fernando de Lacerda Loures) tendo ao seu lado d. Manuela Vasconcelos, durante o Seminário Fernando de Lacerda, Lisboa, 2011.

d. Manuela Vasconcelos e seu genro em visita ao Palácio da Pena, em Sintra.

Ensaio da peça de teatro “A Cruz”, autoria de Manuela Vasconcelos, apresentada na CECL em 2009

Teatralização do cântico “A Barca” do brasileiro, Padre Zezinho. Apresentada na FEP no ano de 2008.

D. Manuela Vasconcelos no Seminário “Chico Xavier”

realizado em Lisboa no ano de 2010

OBS: AS FOTOS Desta entrevista só PODERÃO SER UTILIZADAS EM OUTRAS PUBLICAÇÕES MEDIANTE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO entrevistadO.

Assista vídeo com Divaldo Pereira Franco drogas à luz do Espiritismo

Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=jPXKTN5cy9I

(Colaboração de Nilberto Beto nilberto.betonil@gmail.com)