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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Prisão Entre o preconceito e a indiferença

PUBLICADO NO CORREIO FRATERNO

MARCO-ABRIL/2 Eliana Haddad

A revista Veja São Paulo (edição 23 fev. 2011) destacou como capa matéria palpitante, cujo assunto requer a atenção da sociedade – o duro caminho da recuperação dos menores infratores.

Antes de qualquer comentário, vale lembrar que o tema é realmente complexo, extensivo que é às dificuldades enfrentadas por detentos de todas as idades. Presos pelos mais variados motivos, dos atos mais corriqueiros aos mais impressionantes, ficam sempre diante do impacto algumas indagações – e quantas! Como saber o que vai, afinal, no coração de cada um? O que levam pessoas agirem de formas tão díspares? O fato é que, disfarçada, fica evidente uma incômoda insegurança com relação aos riscos decorrentes dos momentos de desequilíbrio dos comportamentos humanos. Ninguém se atreve a atirar a primeira pedra, muito menos a dizer “desta água não beberei”. Nem pode afirmar-se totalmente livre de fazer aquilo que condena nos outros.

Socialmente, a questão é mesmo séria e multidisciplinar. Teoricamente, cumprida a pena, o infrator estaria quite com a sociedade. Mas não é bem assim que acontece. Poucos conseguem desfrutar efetivamente das mesmas oportunidades do que daqueles que nunca passaram pela portas de uma detenção. É difícil recomeçar. Exemplos? Ninguém quer morar com um presídio por perto. O próprio imóvel desvaloriza-se. Você daria, sem restrições, trabalho ou abrigo para um ex-detento ou concordaria que seus filhos convivessem com um deles?

Não se pretende aqui retirar-se a gravidade dos crimes cometidos. Muito menos desprezar os problemas sociais causados pela delinquência, numa defesa ingênua e sem fundamentos. Temos medo, sim. E, se os queremos bem, os queremos grande parte das vezes bem longe, tornando-se claro o pressuposto de que se já é difícil perdoar, mais difícil ainda é exercer o perdão com relação ao ‘inimigo’. Natural. “Esse sentimento resulta mesmo de uma lei física: a da assimilação e respulsão dos fluidos”, explica O evangelho segundo o espiritismo. O capítulo específico “Amai os vossos inimigos” enaltece inclusive o ‘equívoco’ sobre o sentido da palavra amor nessas cirunstâncias, esclarecendo que Jesus não quis dizer por essas palavras que se deve ter pelo inimigo a ternura que se tem para com o irmão ou amigo, pois a ternura supõe confiança. Porém deixa bastante claro que amar os inimigos, por exemplo, é não opor nenhum obstáculo à reconciliação; é desejar-lhes o bem, em lugar de desejar-lhes o mal; é lhes estender a mão segura em caso de necessidade; é retribuir o mal com o bem; é não ter contra eles nem ódio, nem rancor; nem desejo de vingança; é perdoar-lhes sem segunda intenção. Difícil.

Como compreender a atitude do agressor, do ladrão, do assassino ou do estuprador, acreditando-se serem eles capazes de regeneração, e até mesmo da oportunidade de uma nova história, um recomeço, depois de crimes brutais. O estigma é cruel, uma situação diria-se bastante complicada para ser engolida tranquilamente de forma palatável. Preconceito? Precaução? Verdade? Medo? Estariam preparados para enfrentar a vida fora das grades? E entre as grades estariam se redimindo? Se em liberdade, estaria a sociedade apta a recebê-los?

A procuradora paulista Berenice Gianella, presidente da Fundação Casa (antiga Febem) contou, na citada reportagem, o desafio enfrentado para o soerguimento da população carcerária. “Certa vez precisei sair de uma cidade escoltada, porque os moradores eram contra nos instalarmos lá”, comentou, evidenciando serem tais cidadãos muitas vezes vistos como seres realmente à parte da sociedade. Não são aceitos nem dentro e nem fora das prisões.

A visão espiritual

Não bastassem os preconceitos, a falta de preparo e educação social para lidar com o problema, o alto custo para a detenção e recuperação dessa população claramente marginalizada, amplas dificuldades sociopolíticas e econômicas que exigem uma visão sistêmica, porque não se solucionam com decisões isoladas, fica ainda a dúvida sobre o que é ser livre. Seria estar dentro ou fora das grades?

Ora, somos todos espíritos em evolução. E, ainda que julgados socialmente por nossos atos, todos somos livres, embora cativos, pois ninguém sabe o que se passa na intimidade de cada ser, com suas milenares experiências, acertos e desacertos, sua história, conquistas e dificuldades. Por isso fica impossível saber o que leva o outro à prática de ações condenáveis, quando no nosso estágio evolutivo nem conhecemos o bastante o que se passa em nossa intimidade. “É pelo pensamento que o homem goza de uma liberdade sem limites, porque esse não conhece entraves. Pode-se impedir sua manifestação, mas não aniquilá-lo”, explica o espiritismo. Por isso somente a Deus pertenceria o direito de julgar. Pela perfeição e inteligência suprema. Mas Ele julga a intenção (não somente as ações exteriores), porque é imanente em nós, motivo pelo qual isso também não acontece do alto de um trono de forma implacável, separando-nos no céu e no inferno. Essa justiça divina se dá no foro íntimo de cada criatura, na consciência de cada um, onde está escrita a lei eterna e imutável do amor, à qual todos estamos submetidos, não por vingança ou castigo, mas pela perfeição do Criador na criatura, que deixa sua marca como autor na obra. Por isso explicaram os espíritos superiores, “se o homem regula pelas suas leis as relações de homem para homem. Deus, por suas leis naturais, regula as relações do homem com Deus”.

Na convivência com detentos (ver quadro), percebe-se a extensão da explicação dos espíritos sobre a justiça, na lei humana, onde em geral se misturam paixões ao julgamento, alterando-se sentimentos, fazendo-se que se considerem as coisas sob um falso ponto de vista. Certa vez, diante da pergunta “quem é o criminoso?”, respondeu Emmanuel sabiamente a Chico Xavier: “Qualquer um de nós que foi descoberto”, referindo-se claramente à nossa fragilidade como seres que ainda se enganam e creem-se inatingíveis por qualquer pedra que venha a atingir nossos telhados de vidro.

A necessidade de viver em sociedade traz como consequência obrigações individuais. A primeira de todas se refere justamente ao respeito aos direitos dos semelhantes. “Aquele que respeitar esses direitos será sempre justo”, ensina o espiritismo, destacando que no nosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de represálias, daí advindo a perturbação e a confusão na sociedade.

Não está aqui, mais uma vez, em questão o que leva as pessoas a terem comportamentos destrutíveis para com a sociedade. Nem defesa, nem acusação. Muito menos conivência com o mal, valendo recordar, aliás, exemplos amplamente divulgados pela mídia de pessoas que perdoaram algozes, assassinos de seus próprios filhos, libertando-se do ódio, do sentimento de vingança, o que mostra que a prática do amor não é uma utopia, podendo ser uma realidade muito mais libertadora do que se imagina. O potencial do perdão está em todos nós. “Sois luzes, podeis fazer o que eu faço e muito mais”, alertou Jesus

A vida social dá direitos e impõe deveres recíprocos, cabendo a cada um fazer a sua parte. “Deus não fez uns de limo mais puro que outros; todos são iguais perante Ele”, explicaram por metáfora os espíritos superiores que trouxeram a Terceira Revelação à Terra.

Os direitos naturais são eternos. Sem amor não há verdadeira justiça. E, se a lei de amor proíbe que se faça a outrem o que não queremos que nos seja feito, ninguém também é obrigado a praticá-la, pois há liberdade de escolha. A lei permite o erro, mas exige o reparo, porque nossa destinação é a identificação plena com o bem, tendo-se assim como aprendizado a responsabilidade pelas consequências de nossas escolhas. Daí a conclusão: a semeadura é livre; a colheita, obrigatória. Nessa visão mais ampla, a questão é muito mais simples do que se pressupõe. O que a dificulta é a nossa falta de compreensão e vontade. Outro desafio. Mais um preconceito.

Quando estive preso

Por Cristian Fernandes

Fui preso no mesmo dia em que compareci à delegacia para prestar esclarecimentos. Claro que tive grande receio sobre o que aconteceria atrás das grades, já que ouvimos e lemos muita coisa a respeito. Mas a grande surpresa foi perceber que existe um grande respeito entre os presos, e que eles são pessoas normais, apesar do caminho de vida que escolheram.

Percebi que a grande maioria usava uma máscara para não deixar demonstrar a fraqueza por estar ali afastado da família e por não conseguir mudar de vida. Quando as conversas ficavam mais frequentes e os detentos conseguiam se abrir, era essa fraqueza que aparecia de forma intensa.

Por que chegam a esse ponto? Como acontece com qualquer um de nós, somos levados a fazer diversas escolhas ao longo da nossa vida. Para grande parte deles, as escolhas não eram muito saudáveis, e acabaram entrando neste mundo de crimes. Sair dele se tornava uma tarefa muito difícil, assim como é difícil para nós mudar atitudes às quais nos acostumamos. Existiam, porém, muitos adolescentes que estavam ali apenas por não terem encontrado no lar uma educação moral firme; claro que a falta de educação não justifica a escolha que eles tomaram, mas existe a responsabilidade dos pais.

Os criminosos não são pessoas más, mas pessoas que agem de maneira ruim em determinadas situações, como o momento de um crime. Fora disso, são pessoas boas com suas famílias, com seus amigos, amam seus pais, suas esposas, seus filhos. Sentem muita falta da convivência com eles!

Como espírita, quando você olha a pessoa tendo certeza de que todos somos criaturas que batalham pelo crescimento espiritual, consegue-se criar uma relação isenta de preconceito, e penso que só consegui isso em função do conhecimento do espiritismo. E era divertido compartilhar com eles este conhecimento, porque muitos ainda acreditam em céu e inferno e têm medo dos espíritos. Criei com a ajuda de pessoas de fora uma biblioteca espírita circulante, e as histórias que surgiam por causa dos livros eram sempre emocionantes, para eles e para mim.

Foram grandes lições. A primeira lição foi a da paciência, porque eu não sou muito paciente; fiquei preso injustamente por quatro meses, e consegui compreender o que os espíritos falam sobre a fé sincera ser sempre calma e dar a “paciência que sabe esperar”. A segunda lição foi o entendimento de que, por mais distantes que possamos parecer de determinados grupos de pessoas, um objetivo maior nos une: a necessidade de melhor compreender e praticar as leis de Deus.

Estive preso com muitas pessoas que representam grande perigo do lado de fora das grades, é verdade, mas durante os quatro meses em que lá estive, fui muito bem tratado por eles.

Cristian Fernandes é editor de livros da editora Correio Fraterno e palestrante espírita.

Viveu de perto a experiência de uma detenção por engano, em 2008, na cidade de São Paulo. Sua história foi

contada na revista Universo Espírita, edição 59, cuja reportagem pode ser lida no site do Correio Fraterno (www.correiofraterno.com.br).

Referências:

Allan Kardec, O livro dos espíritos.

Allan Kardec,O evangelho segundo o espiritismo.

Allan Kardec,O céu e o inferno.

Renato Castelani, Carandiru.

Adelino da Silveira,Chico de Francisco.

Revista Universo Espírita, edição 59.

Revista Veja São Paulo, edição de 23 de fevereiro de 2011.

Você daria, sem restrições, trabalho ou abrigo para um ex-detento?

Ninguém está livre de fazer o que condena nos outros

O criminoso é qualquer um de nós que não foi descoberto (Emmanuel)

Cristian Fernandes: Percebi que a grande maioria dos presos usava máscara para não demonstrar a fraqueza por estar afastado da família e por não conseguir mudar de vida

A autora Eliana Haddad

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