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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Simetrias Históricas A psicografia como fonte de pesquisa acadêmica

Entrevista com Nadia Rodrigues Alves Marcondes Luz Lima

publicada no Correio Fraterno Abril de 2011

Nadia Rodrigues Alves Marcondes Luz Lima

Natural de Franca, SP, Nadia Rodrigues Alves Marcondes Luz Lima sempre foi apaixonada por história, disciplina com a qual trabalha há uma década, após decidir deixar o cargo de oficial maior de um cartório na mesma comarca paulista.

Bolsista da CAPES desde sua graduação na UNESP- Universidade Estadual Paulista, a pesquisadora atua há quatro anos como docente na UNIFRAN- Universidade de Franca, SP. Suas atividades como espírita também têm sido marcantes, seja como voluntária, por uma década, na diretoria do Hospital Allan Kardec de Franca, ou como uma das coordenadoras da Coleção Espiritismo na Universidade (Editora UNIFRAN/CCDPE Eduardo Carvalho Monteiro). Para ela, porém, seu mais importante trabalho foi a participação na tradução da obra Loucura sob novo prisma, de Bezerra de Menezes, na Argentina, o que lhe permitiu explicar como a tese influenciou o surgimento de mais de uma centena de hospitais psiquiátricos no Brasil que oferecem a terapêutica de desobsessão.

Nadia é mesmo confiante, uma entusiasta sobre a necessidade da divulgação e introdução das ideias espíritas na Universidade. E foi na escolha de seus temas de pesquisas acadêmicas que mostrou ainda mais sua ousadia: mestrado em história, publicado com o título Ruptura na história da psiquiatria no Brasil: espiritismo e saúde mental; e doutorado defendido em dezembro passado sobre o tema Fogo selvagem, alma domada, a doença e o Hospital do Pênfigo de Uberaba: história e psicografia (UNESP, Franca).

Entrevistada pelo jornal Correio Fraterno, ela explica como conseguiu enfrentar metodologicamente o mundo acadêmico, introduzindo a interpretação espírita nos fatos históricos.

A escolha do tema de seu doutorado foi influenciada por seu conhecimento sobre a espiritualidade e as reencarnações?

Nadia: Quando ingressei no programa de pós-graduação, meu projeto de pesquisa propunha pesquisar mulheres médiuns que houvessem sido empreendedoras, fundando escolas e hospitais. Essa parte ainda permanece aberta à pesquisa. A proposta era expor que a possibilidade do intercâmbio mediúnico havia proporcionado a essas fundadoras a confiança e a certeza em prosseguir com seus ideais. Após seleção dos nomes, iniciei pesquisa em 2008, com a quase centenária Aparecida Conceição Ferreira, a dona Aparecida do Fogo Selvagem, fundadora do Hospital do Pênfigo de Uberaba. De imediato, tivemos a certeza de que a tese haveria de privilegiar o trabalho daquela extraordinária mulher, desdobrando-se sobre a história desta terrível doença, cuja etiologia permanece ainda desconhecida pela ciência, mas que em obra psicográfica de Chico Xavier, encontramos subsídios para uma oportuna discussão.

Como foi possível fazer em tese acadêmica uma análise espírita da história?

Nadia: Fiz uso da psicografia como fonte documental de pesquisa. O espiritismo no Brasil, além de religião, deve ser compreendido também como um segmento cultural. Não há muito que ser discutido. Se é segmento cultural, implica que determinada parcela da população acolhe seus princípios transformando-os em modos de vida, em visões de mundo. Cabe à universidade fazer esta leitura das mudanças socioculturais. Se é uma filosofia, uma ciência e uma religião que se dispõe a crer e agir em conjunto, espíritos encarnados e desencarnados; se tem milhares de seguidores ou adeptos e que, há mais de um século, vem fundando hospitais considerados pelo Estado brasileiro como de utilidade pública municipal, estadual e federal, como no caso de Uberaba, há que se dar voz a este segmento.

Como você conseguiu enfrentar, metodologicamente, o mundo acadêmico com as interpretações espíritas?

A interpretação espírita das doenças, bem como do que se compreende por saúde já não mais surpreende. Em nossa tese, fizemos uma análise científica e espírita sobre a história da doença pênfigo foliáceo endêmico ou fogo selvagem. O alto índice de cura, registrado nos documentos da instituição de saúde de Uberaba, atestou que houve um fator diferencial. Além dos documentos, tivemos acesso a depoimentos orais, à observação participativa junto aos doentes, funcionários e fundadora do hospital, além da frequência às reuniões de desobsessão.

Na tese, você cita obras do escritor Herminio Miranda como fontes de pesquisa, trazendo a público o conceito de simetrias históricas. Do que se trata?

Nadia: A região do Triângulo Mineiro, tradicionalmente no ambiente espiritual exposto há décadas por diversos grupos mediúnicos, traz notícias de grupos de espíritos que por ali reencarnaram e que tiveram, assim como em outras regiões brasileiras, participação em vidas pregressas em inquisições, guerras e extermínios de aldeias, ataques corsários a navios, enfim, espíritos que no passado optaram pelo ato de atear fogo a corpos humanos. Herminio Miranda, na obra Os cátaros e a heresia católica, expõe com riqueza o extermínio dos cátaros na região francesa de Toulouse, no Languedoc, pelo grupo liderado por Domingos de Gusmão, fundador da ordem dos pregadores, dando início às inquisições europeias. Com a morte do fundador, a ordem passou a ser denominada ordem dominicana e foi a maior responsável na história pelo ato de se atear fogo a corpos humanos. Acontece que entre ação e reação, Uberaba acaba por ser o primeiro núcleo a receber membros desta ordem no Brasil, os quais procediam coincidentemente de Toulouse. Na Revista Espírita de novembro de 1861, Allan Kardec, após o episódio do Auto de Fé de Barcelona, faz publicar uma comunicação de São Domingos. Estas tantas ‘coincidências’ nos fizeram partir em busca de métodos de análise. Foi então que fiz contato com Herminio Miranda, solicitando sua orientação sobre o que ele já vinha chamando em algumas de suas obras por simetrias históricas.

Como vocês desenvolveram esse método de análise histórica?

Nadia: Das conversas via e-mails com o ‘velho escriba’, como Herminio se autodenomina, nasceu uma grande simpatia. Surgiram desdobramentos na pesquisa e pude compreender, por exemplo, que junto a Allan Kardec, na França, estiveram encarnados os mesmos espíritos que outrora integravam o grupo cátaro. O conhecimento intuitivo na pesquisa histórica, auxiliado pela abertura que o espiritismo nos possibilita, permite uma nova filosofia da história. Ela está repleta de personagens num ir e vir cíclico e espiral, passíveis de colher as reações de suas próprias ações escolhidas pelo seu livre-arbítrio. Acontecimentos de Uberaba não são apenas coincidentes com a história: são simétricos. A lei de ação e reação pode ser passível de análise à medida que juntamos os fatos históricos.

Que análise poderíamos fazer sobre a mudança de Chico Xavier de Pedro Leopoldo para Uberaba?

Nadia: É muito interessante. Em 1959, Chico deu início a um trabalho de socorro a vítimas de queimaduras, recebendo do espírito Scheilla o amparo necessário. Dois anos antes, em 1957, dona Aparecida começava a socorrer os doentes do fogo selvagem. Juntos, oram. E, à vista de todos, a água muda de cor nas banheiras e tinas em que se encontram os doentes. A espiritualidade participa do processo de cura. Nas reuniões semanais de desobsessão, a que chamamos de terapêutica desobsessiva, comunicam-se espíritos partícipes de inquisições, vítimas queimadas supostamente como heréticos ou por corsários nos navios carregados de ouro e prata que partiam do novo mundo, das Américas rumo à Europa. Cada caso traz sua história e, conforme os espíritos vão sendo esclarecidos, visivelmente ocorrem melhoras que se desdobram em alta médica aos pacientes.

Podemos considerar que o conhecimento histórico e a evolução espiritual da humanidade caminham juntos?

Nadia: Ainda no corpo da tese, tivemos oportunidade de expor que o espiritismo é farto em afirmar que há uma filosofia da história não linear como nos mostra a filosofia da história do judaísmo ou do catolicismo conservador por exemplo. As idas e vindas do espírito entre uma reencarnação e outra ocorrem no tempo, portanto, na história. A filosofia da história implica buscar um sentido para a história. O sentido espírita aponta para ciclos espirais evolutivos e involutivos, no sentido externo e interno, sendo o involutivo não no sentido de retroagir, mas do conhece-te a ti mesmo, do esforço para a reforma íntima. Por exemplo, quando Emmanuel em Há dois mil anos... narra suas vidas passadas, expõe seus erros, suas atitudes que geraram dolorosas consequências a outrem, para em seguida, na obra Cinquenta anos depois, já adiantar-se em expor que suas ações pretéritas causaram reações, as quais sem pejo, ele prossegue narrando. Este exercício da escrita narrativa produz um depoimento íntimo capaz de expor sua própria introspecção, identificada como involução. Isso também é sugerido ao leitor, encorajando e reeducando a cada um.

Você considera importante registrar ou transcrever algumas comunicações mediúnicas para que possam um dia vir a servir como pesquisa?

Nadia: Em 2008, a Universidade Federal de Santa Catarina sediou o I Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental, onde me inscrevi para apresentar a tese da loucura sob o prisma da obsessão, de Adolpho Bezerra de Menezes. Ninguém até então pensara em apresentar Bezerra como um médico pesquisador, cuja obra A loucura sob novo prisma, fora escrita com metodologia de pesquisa e defendida como tese frente a seus pares, médicos brasileiros e europeus. Herminio Miranda, nos quatro volumes de Histórias que os espíritos contaram [Correio Fraterno], transcreve comunicações mediúnicas de cunho histórico, ricas em informações geográficas, antropológicas, assim como as obras psicografadas por Marilusa Moreira Vasconcellos, ditadas pelo espírito Tomás Antonio Gonzaga [Radhu]. Quem lê a série histórica de Emmanuel, muitas vezes nem percebe os detalhes que faz questão de registrar. São informações dadas pelos próprios partícipes do fato histórico. Isto tudo trará num futuro bem próximo uma reviravolta na historiografia brasileira, em se considerando o espiritismo como segmento cultural, especialmente porque surgirá a necessidade de se rever o conceito de testemunho do fato histórico.

“Acontecimentos de Uberaba não são apenas coincidentes com a história: são simétricos”

“A interpretação espírita das doenças já não mais surpreende”

“As idas e vindas do espírito entre uma reencarnação e outra ocorrem no tempo, portanto, na história.”

Entrevista realizada por

Eliana Haddad

SITE DO CORREIO FRATERNO

http://www.correiofraterno.com.br/

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