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sábado, 30 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM TIAGO ESSADO

Promotoria comunitária, a vertente social do Cristianismo


Tiago Essado

Ismael Gobbo


Tiago Essado tem 33 anos. Nascido em berço espírita, em Franca, no interior paulista, há oito anos é promotor de Justiça e há dois fundou e vem presidindo a Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo (AJE-SP).


Ele não acha que ser espírita e promotor de Justiça seja uma tarefa fácil, já que considera “a responsabilidade e o compromisso maiores”. Por outro lado, acredita que ambas, juntas, ajudam muito a desempenhar bem a função, diante das benesses fornecidas pela Doutrina Espírita, talvez, em essência, “a de poder ver o próximo com amor e dignidade”.


Um exemplo nesse sentido, lembra, está na capital paulista, onde alguns colegas do Tribunal do Júri de Santo Amaro, durante greve do Judiciário, resolveram ir até a comunidade, a fim de identificar a razão de as pessoas praticarem tantos homicídios na região do Jardim Ângela. “Ouvindo a comunidade, passaram a, com ela e outras forças da sociedade (polícias, igreja, associações de bairro, Prefeitura e donos de bares), buscar soluções para a redução da criminalidade. Após alguns anos, o trabalho rendeu frutos: o número de homicídio reduziu drasticamente”, conta.


A chamada “Promotoria Comunitária”, que tem origem nos EUA e em cujo país o promotor de Justiça é escolhido pelo povo, em boa parte dos estados, e, portanto, explica-se a necessidade de o promotor se aproximar da comunidade, teve outra base fundada por Essado em maio do ano passado em São Simão, no Estado de São Paulo, após a experiência feliz de seus colegas na capital paulista. Abaixo, ele nos conta um pouco de sua experiência e explica o porquê da importância de o promotor estar na comunidade.



Quais os objetivos da Promotoria Comunitária?

Tiago Essado - Em síntese, o objetivo principal é buscar na própria comunidade a parceria necessária para a realização da transformação social. A sequência entre o crime, o processo e a cadeia revela que isto, por si só, não diminui a criminalidade. Você prende três pequenos traficantes e surgem cinco como peças de reposição. O que há de errado? Falta escola no bairro? A quadra que era para incentivar os meninos com o esporte virou ponto de tráfico? Por qual razão? Falta iluminação e isto também colabora com os roubos? Somente ouvindo quem vivencia esta realidade podemos buscar sua alteração. A partir do diagnóstico social vamos dialogar com o Poder Público e mostrar a necessidade de ocupar aquele espaço, preenchendo-o com as medidas convenientes.



Há alguma experiência concreta nesse sentido?

Como disse, os colegas promotores do Júri de Santo Amaro, na capital paulista, idealizaram este trabalho e com sucesso. Nesta experiência, os colegas demonstraram aos donos de bares que eles tinham também responsabilidade com os homicídios. Decidiram, de comum acordo, limitar o horário de funcionamento, a partir do diagnóstico de que os crimes ocorriam em altas horas, quando a bebia já fazia efeito mais danoso, criminoso, a bem da verdade. Em Guarulhos e mais recentemente em São Simão, ambas em São Paulo, a ideia também ganhou concretude. Em São Simão focamos a periferia mais carente, com maior estado de abandono social e maior número de usuário de drogas. Há quatro anos conseguimos, por meio de um acordo com o poder público municipal, a implementação neste local de um primeiro berçário. Para 2010, também por conta de outro ajuste, será construído outro berçário com uma creche.



Como o Ministério Público vê este projeto?

A ideia vem ganhando espaço no âmbito do Ministério Público. Em São Paulo a Procuradoria-Geral de Justiça fomenta a implementação do projeto. A ideia é expandi-lo para todo o Estado. Aos poucos, os colegas começam a perceber que só o processo não resolve o problema. A atuação extrajudicial, por meio do diálogo, é a modernidade do Direito e da justiça.



De que forma o trabalho se desenvolve?

O Ministério Público, como órgão do Estado, conta com escassez de recursos materiais e humanos. Hoje, o trabalho é feito com certo voluntarismo. Designa-se um local do bairro (centro comunitário, escola etc) e realiza-se reunião mensal. Convidamos as lideranças, policiais, agentes públicos, enfim, quem tenha interesse, sem qualquer imposição. A adesão dos colegas promotores também se faz de forma voluntária. Aos poucos, o trabalho vai se desenvolvendo. Depende muito da participação ativa da comunidade também. É um começo...



A Promotoria Comunitária é criada por ato do Ministério Público?

A Promotoria Comunitária é o nome de uma nova forma de encarar a atuação do promotor de Justiça, que não se limita à resolução processual, conforme já dito, mas que busca a efetiva resolução de um problema e, primeiramente, fora do processo. É sentar com o prefeito e discutir sobre a política pública de uma determinada comunidade. Desse modo, não há criação formal, apenas simbólica. Muitos colegas já atuam assim, há tempos. A institucionalização é importante para divulgar a prática e incentivá-la.



Há perspectiva de a Promotoria Comunitária ser institucionalizada?


A Promotoria Comunitária é a metodologia contemporânea de se exercer uma atuação voltada, sobretudo, para a prevenção da criminalidade. Em recente participação no XVIII Congresso Nacional do Ministério Público, juntamente com o colega Augusto Rossini, pioneiro do projeto desenvolvido em Santo Amaro, defendemos a ideia da implementação da Promotoria Comunitária. Ela foi plenamente aceita, sendo o fato novo no âmbito de discussão das teses criminais, e acabou gerando um dos três tópicos da Carta de Florianópolis (ver abaixo).



Qual a relação entre a Promotoria Comunitária e o ideal espírita-cristão?

A Promotoria Comunitária exige, em primeiro lugar, humildade por parte do promotor de Justiça. Ele tem de sair do gabinete e ir ao encontro do povo. Ouvir os anseios e propostas da comunidade. Servir como ponte entre o povo e os poderes constituídos, tentando, primeiramente, por meio do diálogo, a viabilização de melhorias sociais. Há que se horizontalizar as relações, mostrar que o povo também tem o direito e o dever de promover a Justiça. É contribuir com a evolução de um modo geral, tratando com dignidade quem muitas vezes é relegado ao último plano social. Esta é a vertente social do Cristianismo. Para novos tempos, exigem-se novas posturas. Os operadores do Direito espíritas têm o dever de trilhar a segunda milha, fazer o algo mais que Cristo espera de nós...



“Na Promotoria Comunitária, o promotor de Justiça sai do gabinete e vai ao encontro do povo. Ouve os anseios e propostas da comunidade. Serve como ponte entre o povo e os poderes constituídos, tentando, primeiramente, por meio do diálogo, a viabilização de melhorias sociais”.



Carta de Florianópolis: “O Ministério Público reafirma sua disposição de fazer-se solidário com os Poderes e órgãos do Estado e com as instituições da sociedade civil no processo de construção e consolidação da Justiça e da paz social. Para a consecução desse objetivo propõe-se a: (...) aprofundar a conscientização dos membros do Ministério Público acerca das responsabilidades institucionais, realçando a dimensão de seus compromissos com a realização dos objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º), e aperfeiçoando os modelos operacionais, com vistas a uma contribuição maior e mais efetiva à construção de uma sociedade livre e solidária, inclusive com a implantação de Promotorias de Justiça Comunitárias, fundadas na premissa de uma maior aproximação com a comunidade, para fins de prevenção dos conflitos sociais, sejam de natureza civil ou criminal.”






a primeira foto revela os colegas presentes quando da instalação da PJ Comunitária em São Simão. O procurador-geral de Justiça Dr. Fernando Grella Vieira está ao meu lado, o segundo da direita para esquerda. Na extremidade esquerda está o colega Augusto Rossini, pioneiro do projeto em Santo Amaro.



Na segunda foto revela o público, quando da instalação, no Teatro Carlos Gomes, em São Simão.



ENTREVISTA PUBLICADA NA FOLHA ESPÍRITA, MARÇO 2010